O processo pelo qual o Rio está passando já ocorreu em outros estados, o que se tornou até um precedente importante para a transferência do acervo. Em 2015, após um acordo fechado entre o Instituto Geográfico Histórico da Bahia e o terreiro de Mokambo, foi feita uma inédita restituição de uma “cadeira de mando” apreendida nos anos de repressão estatal naquele estado.
Cadeira Jubiabá, espécie de trono onde o líder religioso se senta durante as cerimônias
O GLOBO
Na década de 1930, uma operação da Delegacia de Jogos e Costumes da Bahia recolheu o móvel, espécie de trono onde o líder religioso se senta durante as cerimônias, usado pelo caboclo Jubiabá. O objeto pertencia a Severiano Manuel de Abreu, babalorixá e capitão do exército baiano que acabou conhecido pelo nome do caboclo que incorporava. Depois de ficar apreendida por 95 anos, a cadeira de Jubiabá foi devolvida a seu terreiro de origem em regime de comodato.
Figura de prestígio em Salvador, Jubiabá recebia muitas visitas em seu terreiro, no Alto da Cruz do Cosme, inclusive de membros da elite local. Tornou-se personagem de Jorge Amado no livro que carrega seu nome, escrito quando o autor tinha apenas 23 anos e posteriormente adaptado para o cinema por Nelson Pereira dos Santos. Severiano Manuel de Abreu morreu dois anos depois da publicação do livro, numa época em que a perseguição religiosa na Bahia não dava sinais de alívio. A operação foi comandada pelo oficial Pedro Beloso Gordilho, ele mesmo também personagem de Jorge Amado em outro livro, Tenda dos Milagres (1969), no qual encarna o policial Pedrito Gordo, que persegue o candomblé por puro gosto.
Outros estados do Nordeste tiveram casos parecidos. Em 2013, o Instituto de Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de Alagoas recebeu oficialmente peças que foram preservadas após o “Dia do Quebra”, evento de intolerância religiosa ocorrido em fevereiro de 1912, em Maceió, quando foram destruídas todas as casas de culto afro-brasileiro na capital. A Coleção Perseverança, como ficou conhecida, é considerada uma das mais importantes e raras do país.
"ESSAS RELIGIÕES FORAM PERSEGUIDAS E COMBATIDAS PELO ESTADO, É EMBLEMÁTICO FAZER ESSA REPARAÇÃO"
Diretor do Museu da República
“É importante que o acervo venha para cá, pois é resultado de uma ação do Estado. Essas religiões foram perseguidas e combatidas pelo Estado, é emblemático fazer essa reparação. Isso não interessa apenas aos praticantes daquela religião, interessa à sociedade. Trata-se, na verdade, de um gesto de cidadania e de recomposição de direitos”, observou Chagas.
CRÉDITOS
REVISTA ÉPOCA
Reportagem: Juliana Dal Piva, Nicollas Witzel, Cíntia Cruz, Barbara Libório • Fotos: Leo Martins, Márcia Foletto, Alexandre Cassiano, Gabriel Monteiro • Interface: Vinicius Machado • Desenvolvimento: Carlos Sá, Gabriel Godoy
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