quinta-feira, 12 de abril de 2018

A REDE RECORD E O DIREITO DE RESPOSTA ÀS RELIGIÕES DE MATRIZ AGRI

São 15 anos de luta para garantir que a emissora cumpra a decisão judicial. Mais uma batalha vencida, mas ainda não se sabe quando o direito vai ao ar.
     Na tarde de 5 de abril de 2018, representantes do candomblé, da umbanda e de outras tradições de matriz africana ocuparam o auditório do Tribunal Regional Federal de São Paulo para acompanhar o julgamento da ação que visa garantir o direito de resposta das religiões afro-brasileiras contra as ofensas veiculadas na programação da Rede Record e outras emissoras ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus.
     A questão se arrasta há 15 anos, desde que os representantes dos afro-religiosos ganharam a ação. Contudo, os inúmeros recursos e manobras judiciais impediram que o programa fosse ao ar. Dessa forma, os insultos e incitações à violência continuaram, aumentando e agravando os casos de intolerância.
     Ao negar mais este recurso da Rede Record, o TRF-SP não só condena as emissoras a cumprir a decisão de direito de resposta, como torna mais patente os crimes cometidos contra a honra e a dignidade das religiões de matriz africana. Demonstra ainda como o racismo religioso tem sido praticado pela igreja universal, ultrajando toda cultura preservada pelo povo negro no Brasil.
     Entre as ofensas exibidas nos programas da Record, a mais frequente é chamar sacerdotes da Umbanda e do Candomblé de pais e mães de encosto e tratar os orixás como demônios. A sentença prevê, entre outras sanções, a exibição na grade das emissoras de 16 horas de programação de conteúdo positivo e afirmativo sobre cultura e religiões de matriz africana.
     A relatora e os demais desembargadores foram unânimes e julgaram improcedente o recurso, ratificando a sentença. Não se sabe, porém, quando os programas com o direito de resposta serão transmitidos e, ao que parece, ainda cabe recurso à Suprema Corte.
     É, porém, justo que os povos tradicionais de terreiro comemorem. Trata-se de uma ação contra uma grande emissora de "tevê" e contra um conglomerado que movimenta verdadeiras fortunas. Sem falar do projeto político cada vez mais consolidado pelo grupo do bispo Edir Macedo.
     A sustentação oral do advogado das religiões afro-brasileiras, Hedio Silva Junior, baseou-se na Constituição Federal e em toda legislação e jurisprudência vigentes, partindo da premissa de que vivemos num Estado laico. Teve que confrontar as alegações dos representantes da Record, que em boa parte de sua argumentação respaldaram-se na Bíblia e tentaram interpretar princípios jurídicos pelo viés religioso.
     Talvez os advogados da Record tenham subestimado a outra parte ou mesmo a corte que julgava o recurso. Pelo jeito, nem se deram ao trabalho de se inteirar dos autos. Mencionaram a Bíblia como se num Estado laico um livro religioso pudesse se sobrepor à Carta Magna.
     Argumentos pífios que, em vez de refutar, confirmaram os ataques e ofensas contra as religiões afro-brasileiras. Segundo os advogados, os programas apenas exerciam uma prerrogativa bíblica e o direito à liberdade de consciência, de crença e de expressão.
     Só se esqueceram de uma coisa: um adepto de qualquer religião não pode evocar suas convicções religiosas para se eximir de obrigações legais impostas a todos, conforme prescrito no inciso VIII do artigo 5° da Constituição.
     Obviamente, o entendimento dos desembargadores foi de encontro ao que sustentaram os advogados da Record e da TV Mulher, e a vitória por unanimidade deu às religiões de matriz africana um grande mote de união e luta.
     Nada nunca foi fácil para o povo negro. Nossas manifestações religiosas e culturais sofreram todo tipo de perseguição, inclusivo do próprio Estado. Contudo, a possibilidade de ver uma rede de televisão exibir um direito de reposta dessa magnitude é um acontecimento histórico e deve mobilizar muitos adeptos da Umbanda e do Candomblé se ainda houver um recurso ao Supremo.
     Desde que 21 de janeiro foi oficializado como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, há mais de 10 anos, a quantidade de denúncias e os casos emblemáticos só cresceram.
     A morte de Mãe Gilda, vítima de intolerância e racismo religioso, emprestou à data um tom de revolta e a relacionou diretamente aos ataques sofridos pelos povos tradicionais de matriz africana.
     Além disso, o caso de Kailane Campos, de 11 anos, atingida por uma pedrada enquanto retornava de uma celebração do Candomblé, as invasões e depredações de terreiros promovidas por traficantes associados a igrejas evangélicas, tudo isso tem alimentado um clima de guerra e prejudicado o diálogo inter-religioso.
     Não se pode prever um tempo de paz, sobretudo neste clima de polarização em que jaz o País. Os dias de luta ainda seguem e serão duros, principalmente para as minorias, mas não se pode negar a uma cultura de resistência a prerrogativa de reivindicar justiça e igualdade.
     Valer-se das instituições jurídicas para garantir o que está previsto na Constituição mostra um tempo de maturidade e organização entre os devotos dos Orixás e inscreve o Brasil na perspectiva do Estado Democrático de Direito. Resta saber se, ao fim e ao cabo, com Supremo, com tudo, a sentença será cumprida.


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